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Ato em Sampa!

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Polícia na universidade só com vestibular

Por Deonísio da Silva em 29/5/2007, do Observatório de imprensa
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=435DAC001

Não é hora de saber se quem tem razão são os estudantes, que invadiram a reitoria da USP, ou o governo, que ameaça utilizar a polícia para desalojá-los, depois de ter obtido na Justiça a reintegração de posse.

Não se trata de ficar em cima do muro. Trata-se de dar ouvidos e olhos a juízos sensatos, de que é exemplo a entrevista que o professor Roberto Romano, da Unicamp, deu ao Estado de S.Paulo de domingo (27/5, pág. A14), em que diagnosticou: "Todo mundo grita, ninguém tem razão".

A mídia vem apresentando o conflito de forma quase sempre maniqueísta, como se fosse um jogo do qual sairão necessariamente vencidos e vencedores. Antes de qualquer resultado, já obtivemos um que é simplesmente lamentável: ameaçar estudantes com a polícia, tratando-os como se fossem desordeiros.

A questão é muito mais complexa e começa com as súbitas mudanças de muitos professores universitários quando assumem o poder, sejam reitorias ou outras governanças.

Todos estão atentos ao desfecho. Será que José Serra, ex-professor da Unicamp e ex-presidente da UNE, vai jogar a polícia em cima dos estudantes? Se o fizer, vai manchar para sempre a sua biografia.

Uma filigrana
José Aristodemo Pinotti, também ex-professor da Unicamp, de que foi reitor, vai ser o braço direito que permitirá a entrada de policiais na universidade? Numa universidade pública há apenas duas portas de entrada: o concurso público para professores e funcionários, e o vestibular para os alunos.

Está em questão a autonomia universitária, que foi parar na Constituição de 1988, por obra do então deputado Florestan Fernandes. Como diz Roberto Romano, no plano federal, a autonomia universitária ainda não foi regulamentada. E no estadual, também não.

Esclarece Romano que o decreto que deu autonomia orçamentária à USP, à Unicamp e à Unesp é obra do governo de Orestes Quércia, em 1989. Como se trata de decreto, tudo que ali está garantido pode ser revogado a qualquer momento, ao contrário das verbas para a Fapesp, cuja autonomia está garantida na Constituição do Estado de São Paulo.

A situação está confusa. É evidente que os estudantes não têm o direito de invadir a reitoria. Mas que outros recursos lhe foram dados que pudessem evitar o ato extremo? E por que misturar a reivindicação emergencial de 3% de aumento e 200 reais nos salários dos docentes com a questão que pode resolver o presente e o futuro das universidades estaduais paulistas?

Compare-se a invasão da reitoria com as invasões do MST, ainda que os organizadores do movimento prefiram usar o verbo "ocupar" – uma filigrana, pois o resultado para os donos das propriedades ocupadas ou invadidas é sempre o mesmo.
O Brasil patina até no modo de formular os problemas: as questões sociais, sejam de estudantes ou de sem-terra, não podem ser tratadas como caso de polícia.

Audiência mútua
Chamar a polícia nessas horas é brincar com fogo. Freqüentemente tragédias irrompem no bojo de mútuas intolerâncias, como foi o caso do emblemático episódio de Eldorado dos Carajás, ocorrido no sul do Pará, quando eram 17 de abril de 1996.

Naquela ocasião, 21 sem-terra foram mortos pela Polícia Militar, 67 foram feridos e alguns ficaram mutilados para o resto da vida. Segundo o legista Nélson Massini, 10 sem-terra foram executados. Sete lavradores foram mortos por instrumentos cortantes, como foices e facões. O então ministro da Agricultura, José Eduardo Andrade Vieira, pediu demissão na mesma noite. E uma semana depois do massacre, o governo FHC criava o Ministério da Reforma Agrária, indicando para ministro o então presidente do Ibama, Raul Jungmann.

O monumento projetado por Oscar Niemeyer para lembrar as vítimas, inaugurado em 7/9/1996, foi destruído dias depois. "Aconteceu o mesmo quando levantamos o monumento em homenagem aos operários mortos pelo Exército na ocupação da CSN, em Volta Redonda (RJ)", disse o arquiteto na ocasião.

Diálogo demora, pois é preciso haver audiência mútua. A polícia pode fazer tudo mais ligeiro, mas chamá-la foi a pior alternativa.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Da seção Correio da Folha, hj

O governador do Estado de São Paulo, José Serra, insiste em dizer à população que seus decretos não afetarão a autonomia das universidades estaduais. Professores de direito administrativo da USP, no entanto, afirmam que esses decretos são claros no que diz respeito à restrição da autonomia. Para resolver o embate, fica a pergunta: se os decretos não fazem mal às universidades, por que Serra não os citou em momento nenhum durante sua campanha eleitoral?"
CARLOS EDUARDO SILVA DE SOUZA (São Paulo, SP)

domingo, 27 de maio de 2007

AUTONOMIA AGREDIDA

na opinião desta que bloga, o melhor texto de todos...
já esteve aqui antes, e volta... por tudo q diz...

texto do jurista Dalmo de Abreu Dallari


O novo Governador do Estado de São Paulo, José Serra, iniciando o exercício de seu mandato no começo de 2007, editou um conjunto de decretos que parecem ter sido preparados de afogadilho e sem avaliação de suas conseqüências, tendo já acarretado algumas conseqüências negativas, estando neles a raiz da invasão da Reitoria da Universidade de São Paulo por estudantes daquela universidade. Seja qual for a opinião quanto à conveniência e oportunidade da invasão, o fato é que os decretos do Governador estão diretamente ligados àquele acontecimento. Talvez se diga que se os estudantes estivessem mais bem informados quanto ao exato conteúdo dos decretos e ao seu alcance poderiam manifestar desacordo, mas sem chegar àquela medida drástica, mas isso também revela a afoiteza e imprudência do governo na apresentação do fato consumado, sem maiores esclarecimentos.

Na realidade, a análise jurídica dos referidos decretos leva à conclusão de que existem ali algumas evidentes inconstitucionalidades, havendo mesmo, em alguns pontos, uma tentativa de mascarar a realidade, por meio de uma espécie de ilusionismo jurídico, que, no entanto, não resiste a um exame mais atento, mesmo que baseado apenas no bom senso e na lógica. Bastaria observar que no dia 1º de janeiro de 2007 o novo Governador já emitiu extensos decretos, eliminando e criando Secretarias na organização administrativa superior do Estado, para tanto exercendo atribuições que não são do Executivo, mas da Assembléia Legislativa do Estado.

É oportuno lembrar que o decreto é ato administrativo, que o Chefe do Executivo pode praticar para fixar regras de caráter regulamentar, mas que só têm validade e força jurídica se não contrariarem qualquer dispositivo da Constituição ou de alguma lei. E isso não foi observado.
Um desses decretos, o de número 51.460, de 1º de janeiro de 2007, pode ser considerado extremamente audacioso, pois expressa uma tentativa de alterar pontos substanciais da ordem pública pública, criando e extinguindo órgãos de grande relevância na organização administrativa fundamental do Estado, fingindo que só estão sendo mudados os nomes de alguns desses órgãos, sem nenhuma consideração pelos objetivos que inspiraram a criação desses órgãos e pelas características de suas organização, bem como pela especialização de seus quadros. A par desse absurdo, ocorrem ainda agressões a normas constitucionais expressas e já tradicionais no sistema constitucional brasileiro, como as que consagram a autonomia das Universidades públicas.

A mais absurda dessas investidas contra a Constituição e o bom senso é a que consta do artigo 1º, inciso III, desse decreto, cuja redação é mais do que eloqüente na denúncia do absurdo:
“Artigo 1º. A denominação das Secretarias de Estado a seguir relacionadas fica
alterada na seguinte
conformidade:
..............................................................................................................................
III.
de Secretaria de Turismo para Secretaria de Ensino Superior.”



Essa pretensa mudança de nome é uma aberração mais do que óbvia, pois o nome identifica toda uma estrutura, criada para atingir objetivos determinados e organizada para atingir essa finalidade. É do mais elementar bom senso que tendo sido criada para fomentar o turismo aquela Secretaria foi organizada de modo a poder atuar na área do turismo, com órgãos adaptados às características dessa área e, obviamente, com um funcionalismo especializado nesse setor de atividades. Se o Governador alegar que vai aproveitar a mesma organização e os mesmos funcionários estará afirmando um absurdo, pois ninguém será tão tolo a ponto de admitir que o mesmo dispositivo criado para atuar no turismo será competente e eficiente para desempenhar atividades de apoio e fomento à Educação Superior. E se disser que haverá completa alteração da estrutura organizacional e substituição do funcionalismo por outro capacitado para agir na área da Educação Superior, criando-se os cargos indispensáveis para tanto, estará confessando a fraude, a extinção de uma Secretaria e a criação de outra sob o simulacro de mudança de nome. Isso, além de tudo, configura uma inconstitucionalidade em face da Constituição do Estado de São Paulo.

Na realidade, a Constituição paulista dispõe, no artigo 24, parágrafo 2º, que “compete exclusivamente ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:...2) criação e extinção de Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no artigo 47, XIX”. Segundo este último dispositivo, enxertado na Constituição do Estado pela Emenda Constitucional nº 21, de 2006, o Governador poderá dispor, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos. Ora, para que a Secretaria de Educação Superior possa agir com a mínima eficiência no âmbito da Educação é indispensável a existência de órgãos e servidores adequados e capacitados para esse objetivo, o que, evidentemente, não foi feito quando se criou a Secretaria de Turismo. A prova disso é que por meio de outro decreto, o de número 51461, também de 1º de Janeiro de 2007, o Governador do Estado definiu a organização da Secretaria de Educação Superior, ali incluindo muitos órgãos que, por motivos óbvios, não existiam nem existem na Secretaria de Turismo.

Em sentido oposto à necessidade de criação de órgãos e de cargos para especialistas em educação, é evidente que muitos órgãos, ligados ao turismo, ficarão inúteis, por absoluta inadequação, com a simulação da simples mudança de objetivos, impondo-se a extinção de tais órgãos, pela exigência óbvia de eliminação de despesas inúteis. Acrescente-se que com a simulação de simples mudança de nome da Secretaria, tentando ocultar a extinção de uma e a criação de outra, o Governador ofendeu a Constituição do Estado de São Paulo. De fato, pelo artigo 19, inciso VI, da Constituição, compete à Assembléia Legislação, com a sanção do Governador do Estado, dispor sobre a criação e extinção de Secretarias do Estado. Ou seja, esses atos exigem a aprovação de uma lei pela Assembléia Legislativa, não podendo ser praticados por decreto.

Outro ponto fundamental, relacionado com os decretos pelo atual Governador do Estado, é a ofensa à autonomia das Universidades Públicas, que tem apoio na Constituição da República e já constitui uma tradição no sistema público de educação superior no Brasil. Para que isso fique evidente, é oportuno lembrar o que dispõe a Constituição brasileira de 1988 sobre a autonomia das Universidades:

“Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio
da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”


Autonomia é expressão de origem grega, que indica o direito de agir independentemente, com suas próprias leis, tendo-se consagrado na linguagem política, jurídica e administrativa brasileira como sinônimo de auto-governo e auto-determinação. A autonomia das universidades foi uma conquista que atravessou várias etapas, incluindo a luta pela libertação de limitações à busca de conhecimentos e à afirmação de novas verdades científicas impostas por motivos religiosos.

Em séculos mais recentes, a luta pela autonomia na busca e aquisição e transmissão de conhecimentos teve por meta a eliminação das limitações e dos condicionamentos impostos por motivos de conveniência política ou por intolerância e ignorância de governantes. Como parte da luta pela autonomia, colocou-se a exigência de apoio financeiro e de plena liberdade nas decisões sobre os objetivos e o modo de utilização dos recursos recebidos, para que prepondere sempre o interesse da humanidade, que deve ser o parâmetro superior da comunidade universitária.
Quanto ao sentido e à importância da autonomia, vem a propósito lembrar as observações feitas por dois notáveis juristas brasileiros que se detiveram no estudo do assunto e que com palavras claras e incisivas registraram suas conclusões.

Um deles é Hely Lopes Meirelles, uma das mais importantes figuras do Direito Administrativo brasileiro, que, em estudo elaborado no ano de 1989, tendo em conta ameaças feitas à autonomia da Universidade Federal Fluminense, assim se expressou:
“Na atual conjuntura, em face do artigo 207 da Constituição da República, “as
universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão
financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão”.
É a carta de alforria dessa instituições educacionais, que, ao longo do tempo, estiveram, muitas vezes, jungidas aos interesses eleitoreiros e imediatistas de quantos se arvoraram “tutores” da universidade.”

Outro notável mestre do Direito Público brasileiro, Caio Tácito, que foi professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em estudo publicado na Revista de Direito Administrativo, também no ano de 1989, discorreu, com clareza didática, sobre o significado e o alcance da autonomia universitária. Eis as palavras do mestre:
“A universidade deve nascer, viver e conviver sob o signo da autonomia, que é um
conceito multilateral. Primordialmente, autonomia científico-pedagógica, porque
é da essência da instituição universitária criar, pesquisar, ordenar e
transmitir o conhecimento, como elemento fundamental para difundir a educação e
fomentar a cultura. Essa missão básica da universidade pressupõe, no entanto, a
disponibilidade de meios flexíveis e satisfatórios à plenitude da concreção de
seus fins. Daí a necessidade de estender-se o princípio da autonomia aos meios
de operação, consistentes na autonomia patrimonial, autonomia orçamentária e
financeira, autonomia administrativa e autonomia disciplinar.”.



A Constituição do Estado de São Paulo reproduz a garantia de autonomia das universidades, coerente com o disposto na Constituição da República, adicionando alguns pontos que é oportuno conhecer. Dispõe a Constituição paulista, no artigo 154, que
“a autonomia da universidade será exercida respeitando, nos termos do seu
estatuto, a necessária democratização do ensino e a responsabilidade pública da
instituição, observados os seguintes princípios: I. utilização dos recursos de
forma a ampliar o atendimento da demanda social, tanto mediante cursos regulares
quanto atividades de extensão; II. representação e participação de todos os
segmentos da comunidade interna nos órgãos decisórios e na escolha dos
dirigentes, na forma de seus estatutos.”

Um ponto muito evidente, é que pelo próprio conceito de autonomia, como foi consagrado no sistema Constitucional brasileiro, assim como pelas disposições expressas das Constituições da República e do Estado de São Paulo, cabe à Universidade, exclusivamente e sem qualquer interferência externa, definir suas prioridades e suas diretrizes. Isso implica, também, a competência exclusiva da universidade para definir suas atividades de estudo e pesquisa, sem nenhuma interferência, a qualquer título, de órgãos da administração pública estadual. Por esse ponto fica evidenciada a inconstitucionalidade do decreto estadual nº 51.461, de 1º de janeiro de 2007, que pretendeu dar à Secretaria de Ensino Superior uma série de atribuições que são exclusivas da universidade, porque inseridas no âmbito de sua autonomia. Com efeito, o artigo 2º do decreto diz que constitui o campo funcional da Secretaria de Ensino Superior “a proposição de políticas e diretrizes para o ensino superior em todos os seus níveis”.

Como já foi demonstrado, a própria criação da Secretaria de Ensino Superior configura uma inconstitucionalidade, que é agravada pela atribuição àquela Secretaria de funções exclusivas da universidade e que esta tem o direito de exercer com autonomia.

Muitos outros pontos, que significam agressões à autonomia universitária, poderão ser apontados nos infelizes decretos editados pelo Governador do Estado no ano de 2007. Uma referência final deve ser feita a agressões à autonomia financeira da Universidade. Como já foi amplamente demonstrado, a autonomia compreende, necessariamente, a autonomia financeira, que, por sua vez, compreende o direito de receber recursos financeiros do Estado e de lhes dar destinação, pelo modo e no momento que a Universidade, por seus órgãos internos próprios, julgar adequados. Constitui agressão à autonomia da Universidade a sonegação desses recursos que lhe são legalmente assegurados, sendo inadmissível que por conveniência política ou administrativa o governo do Estado retenha esses recursos, mediante o artifício que se convencionou chamar “contingenciamento”, tentando ocultar a realidade da sonegação. A Universidade tem direito constitucional à autonomia e deve posicionar-se firmemente contra todos os artifícios tendentes a diminuição ou negação dessa autonomia.

Entre quatro paredes

Conhecimento dirigido à imediatez prática tolhe as universidades e deixa pesquisadores sem escolha
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCOESPECIAL PARA A FOLHA

O conhecimento é assunto de Estado e não deve prestar-se a capciosas tentativas de privatização indigente. Intromissões do atual governo tentam jogar as universidades públicas na grande bacia das almas de transferência do que é estatal para o domínio particular: passo decisivo foi submetê-las a uma repartição gestora de todo o "sistema de ensino superior paulista".Justifica-se tal ato repisando que as universidades públicas sempre estiveram submetidas a alguma secretaria. A memória brasileira é curta, mas, aqui, curtas são as pernas da mentira.

A USP tornou-se autarquia em l944, com dotação orçamentária global e "poder de decisão e distribuição dos recursos recebidos, mediante elaboração de orçamento próprio". Nesse passo, o professor Miguel Reale, membro do Conselho Administrativo do Estado, convenceu-se de "que a autonomia seria ilusória se o reitor continuasse a despachar com o secretário de Educação" e apresentou emenda "em virtude da qual todas as funções daquele secretário, relativas ao ensino superior, passavam a ser exercidas pelo reitor da USP, disposição esta que, em um primeiro momento, se estendeu aos atos normativos das novas universidades criadas". Com decisão unânime, "o reitor adquiriu status de secretário de Estado, passando a despachar semanalmente com o chefe do Executivo paulista, praxe louvável que, se não me engano, só foi respeitada até o governo de Laudo Natel" ("Minhas Memórias da USP", disponível no site www.scielo.br).

Por muito tempo, assim, os reitores responderam diretamente ao governador. Por que o Cruesp [Conselho de Reitores das Universidades do Estado de São Paulo] não poderá fazê-lo?O governo Serra desatina: usa meios burocráticos, ditos racionalizadores, para abolir uma função pública essencial à lógica e razão do Estado moderno: o monopólio do saber.Mantido pela igreja, o dogma e a censura teológico-política foram rompidos, em secular e duro combate, pela crítica do conhecimento, reabrindo a dúvida e reinstaurando a cultura laica, de domínio público.

Nessa luta, firmou-se o lema de Francis Bacon: "Knowledge and power meet in one" [traduzido correntemente por "conhecimento é poder"]. Subjaz a esse vínculo uma das condições básicas ao trabalho científico: a capacidade de afrontar o dogmatismo e o estereótipo, mobilizando tradições de saber aliadas a descobertas inovadoras, mantendo o conhecimento à altura de seu tempo. Ciência-técnica-política são as suas vigas mestras.Palavras proféticasBacon acata o saber ligado à prática, mas aponta, como barreira ao progresso do conhecimento, o descaso pelas ciências básicas, únicas capazes de nutrir a técnica, teses retomadas por Hobbes.

Hoje, quando as especializações se ampliam e o mercado invade a produção científica, com urgência de lucros, fragmentação da pesquisa e declínio da base acadêmica, o programa proposto por Bacon não poderia ser mais cortante. Sua restauração do saber conjuga produção científica e poder público em instituições definidas por formas e conteúdos inerentes à atividade científica. Desatento à pesquisa, o Estado, nem mesmo para suas próprias tarefas, reúne pessoas capazes: seu descaso gera "um deserto de homens". Palavras proféticas: hoje escândalos se sucedem na República ao passo que mal aparecem estadistas empenhados em áreas do saber.

O conhecimento dirigido à imediatez prática (utilidade social direta, subsídios a empresas, serviço ao mercado, adestramento empregatício etc.) tolhe as universidades, definindo linhas de investigação e critérios de "excelência", impondo limites de tempo e deixando os pesquisadores sem escolha: ou ajustam-se ou excluem-se.No mundo regido pela ciência e pela técnica, dominado por centros hegemônicos, o trabalho da teoria, o uso prudente dos conhecimentos, a prática desvinculada da imediatez são os meios capazes de enfrentar a violência com que os interesses lucrativos e a cobiça política estilhaçam a sociedade e a cultura. Nem chegamos a imaginar o sentido atual do maldito conceito de imperialismo.

Investigações sociopsíquicas para fins bélicos, impulsionadas na Segunda Guerra, converteram-se em procedimentos além da ficção científica (como abordagens matemáticas e computacionais para simular processos biológicos complexos ou "próteses" -pequenos chips- para corrigir danos ou dirigir cérebros normais), em experimentos que ignoram o Código de Nuremberg [criado em 1947 pelo tribunal internacional encarregado de julgar os nazistas].Trilhões de dólares são investidos pelo Pentágono, a Casa Branca e as agências de segurança na condução dessas pesquisas (ver J.D. Moreno, "Mind Wars").O próprio Bacon poderia temê-las. Em sua utopia, discute quais invenções, experiências e descobertas devem ser publicadas ou escondidas, sob juras de segredo. Só algumas são reveladas ao Estado

.Sobre os critérios dessa escolha, nada é esclarecido, mas o lorde chanceler devia calcular o que dizia, partícipe que foi dos dois lados: do Estado repressor e da ciência em luta contra a censura.Todo aquele poderio não se estriba apenas em riqueza material: um forte legado do saber renascentista, em especial seu viso puritano, foi transposto para a Nova Inglaterra e alimentado em Harvard, logo após a chegada dos peregrinos e, depois, em Yale.Quase 400 anos de vida universitária independente, contra o obscurantismo na colônia portuguesa. O tanto que conseguimos, em menos de um século, não merece ser destruído.

MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO é professora titular de filosofia da USP e da Universidade Estadual de Campinas e autora de Homens Livres na Ordem Escravocrata (ed. Unesp).

Abstratos...

Eu falo em povo. Reinaldo Azevedo diz que é uma abstração. Mas usar "as pessoas" também o é.
Marcel Mauss (1872-1950) , na conferência Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a noção do eu: escreveu: “Foram os cristãos que fizeram da pessoa moral uma entidade metafísica, depois de terem sentido sua força religiosa. Nossa própria noção de pessoa humana é ainda fundamentalmente a noção cristã (...)”. Segundo o autor, essa concepção foi incorporada pelo Direito Romano, depois assimilada e difundida para o mundo pela Europa.
Ou vc acha q só porque colocou no plural deixou de ser abstrato?

http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/2007/05/eu-quero-que-o-povo-se-dane-s-acredito.html

Autonomia, Justiça, Ocupação e Certa Imprensa

Paulo Martins
Professor Doutor do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH/USP, Vice-coordenador da Pós-graduação em Letras Clássicas.


De acordo com dados oficiais e oficiosos, a Universidade de São Paulo responde por grande parte da pesquisa produzida no país (26.748 artigos publicados no Brasil e no exterior) e, seguramente, é ela também responsável por oferecer o melhor ensino de graduação ( 48.530 alunos) e de pós-graduação (25.007 alunos), alimentando, pois, o "famigerado mercado" com profissionais competentes. Além disso, poder-se-ia pensar em sua atuação junto à população como extensão de suas atividades que, muita vez, são essenciais principalmente aos cidadãos carentes de nosso "rico estado". Um bom exemplo: o atendimento feito no Hospital Universitário em 2006 a 255.597 pacientes em regime de urgência e 160.565 pacientes, no ambulatório [1].

A quem, então, se deve a qualidade de ensino, pesquisa e extensão que leva, por exemplo, a Universidade de São Paulo a ser ranqueada pelo Institute of Higher Education da Universidade de Shangai (Academic Ranking of World Universities - 2006) como a melhor Universidade da América Latina ou a figurar entre as cento e cinqüenta melhores do mundo, ou ainda, de acordo com a Webometrics Ranking of World Universites como a primeira entre os países emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China)? A resposta é vasta, pois passa pela qualificação dos professores (dos 5.222, 96,3% têm titulação de doutor), pelas bibliotecas (39 com 6.907.777 volumes), pelos 47.866 alunos com acesso a microcomputadores. Mas pode ser resumida em uma só palavra "autonomia".

Essa, de acordo com o Dicionário Houaiss, entre outras possibilidades, é:
"capacidade de se autogovernar; direito reconhecido a um
país de se dirigir segundo suas próprias leis; soberania; faculdade que possui
determinada instituição de traçar as normas de sua conduta, sem que sinta
imposições restritivas de ordem estranha; direito de se administrar livremente;
liberdade, independência moral ou intelectual."
Pois bem, a Constituição Brasileira, em seu artigo 207 (com acréscimos da Emenda Constitucional no. 11), estende o preceito às Instituições de Ensino Superior, propondo:


"As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão."


Tal aplicação também ocorre na Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo 254:
"A autonomia da universidade será exercida, respeitando, nos termos do seu estatuto, a necessária democratização do ensino e a responsabilidade pública da instituição, observados os seguintes princípios:
I - utilização dos recursos de forma a ampliar o atendimento à demanda social, tanto mediante cursos regulares, quanto atividades de extensão;
II - representação e participação de todos os segmentos da comunidade interna nos órgãos decisórios e na escolha de dirigentes, na forma de seus estatutos."

Foi, justamente, aplicando o conceito à administração didático-científica e à gestão financeira, orçamentária e patrimonial que, a partir de 1988, a população brasileira observou um aumento significativo dos indicadores de produtividade das universidades ainda que restrições severas devam ser feitas à avaliação do desempenho universitário, tendo por base única e exclusiva os dados estatísticos, dada a diversidade e universalidade das atividades acadêmicas, que não podem e não devem ser avaliadas da mesma maneira sempre. Mesmo assim, vale ressaltar que a partir da promulgação da Constituição até 2006, por exemplo, a produção científica da UNICAMP aumentou 602% e o número de vagas de graduação e pós-graduação nas três Universidades sofreu um aumento inquestionável.

Por sua vez, 2007 assiste a uma agressão séria à justiça, princípio moral em nome do qual o direito deve ser respeitado, e ao Estado de Direito, dentro das Universidades Estaduais Paulistas, isto é, assiste a uma transgressão velada da Carta Magna do país e do estado. Sob o pretexto da transparência administrativa, o governo José Serra solapa, a uma só penada e ao arrepio da lei maior, uma conquista da comunidade acadêmica ao publicar "seus" decretos 51.535/07 (que dá nova redação ao artigo 42 do Decreto nº 51.461, de 1º de janeiro de 2007, que organiza a Secretaria de Ensino Superior.), 51.460/07 (que dispõe sobre as alterações de denominação e transferências que especifica, define a organização básica da Administração Direta e suas entidades vinculadas), 51.461/07 (que organiza a Secretaria de Ensino Superior), 51.636/07 (que firma normas para a execução orçamentária e financeira do exercício de 2007) e 51.660/07 (que institui a Comissão de Política Salarial).

Assim, esses decretos, sob o falso e mentiroso resguardo da autonomia, impedem a contratação de funcionários e professores; dispõem do patrimônio das Universidades; vinculam a dotação orçamentária a necessidades práticas e imediatas do mercado e não permitem a livre negociação salarial. Exemplo, propriamente dito, pode ser facilmente aferido num rápido exame de um dos artigos do decreto 51.471/07:


"Artigo 1º - Ficam vedadas a admissão ou contratação de pessoal no
âmbito da Administração Pública Direta e Indireta, incluindo as autarquias,
inclusive as de regime especial, as fundações instituídas ou mantidas pelo
Estado e associedades de economia mista.
(...)
§ 2º - O Governador do
Estado poderá, excepcionalmente, autorizar a realização de concursos, bem como a
admissão ou contratação de pessoal, mediante fundamentada justificação dos
órgãos e das entidades referidas no "caput" deste artigo e aprovada:"


Vale dizer que as Universidades Estaduais Paulistas são Autarquias de Regime Especial e, portanto, como se pode observar, apenas o Senhor todo poderoso governador do Estado de São Paulo pode efetivamente contratar professores e funcionários para as Universidades. Bem, se essas não podem contratar quando bem lhe aprouver, então sua autonomia inexiste. Esta é apenas uma confirmação do quanto se mente quando se governa. Assim, o repúdio a tais decretos, acrescido de outras reivindicações não menos justas, associado a certa inabilidade política da dirigente máxima da USP, a reitora Professora Suely Vilela, provocaram a crise em que vive hoje a Universidade, que foi coroada com a ocupação das dependências da Reitoria da USP.

Ainda quanto aos decretos, eles soariam muito naturais, esperados e desejados se a sociedade, real proprietária e beneficiária das Universidades estaduais, de alguma forma, encontrasse nelas irregularidades que maculassem a probidade administrativa, ou ainda, não visse nelas um pólo de excelência que servisse de modelo para a educação fundamental e básica, esta sim mais do que vilipendiada pela administração direta de sucessivos governos estaduais, entre os quais aqueles a que se filiam os atuais mandatários do governo. Assim não satisfeitos de serem co-responsáveis com o fim da educação básica e fundamental de qualidade em nosso estado, lançam suas mãos nefastas e nefandas também sobre as Universidades.

Contudo, com desfaçatez e dissimulação, o governador José Serra e seu secretário José Aristodemo Pinotti, afora os asseclas e epígonos sem postos no governo (não sei como) de certa imprensa, mormente, "blogueiros" e articulistas de certa revista semanal, que, de passagem, prima por ser um veículo de pensamento único, disfarçada e dissimulada no pluralismo, no respeito às instituições e ao "Estado de Direito" teimam em transferir a responsabilidade da crise que hoje se vê na USP, UNESP e UNICAMP para aqueles que reagiram à agressão dos decretos e à falta de boa vontade dos dirigentes universitários. A mídia (de modo geral – há exceções) e Governo acusam os alunos de "invasores", desordeiros, baderneiros etc. Não escapam também às suas acusações professores e trabalhadores da Universidade de São Paulo. Seriam estes os manipuladores daqueles, massa acéfala, que, supostamente, incitada, tomou com violência as dependências da reitoria em nome de uma posição partidária ou, como preferem, "em nome de um programa comum da esquerda retrógrada", ou melhor, da "neo-esquerda" que abarcaria - vejam só - o PT, o PSTU, o PSOL e o PCdoB, como se esta unidade já não estivesse inviabilizada desde muito tempo. Afinal os bandidos "remelentos" e "mafaldinhas" ("que merecem ser entregues aos papais e mamães pela PM"), como um desses jornalistas se refere aos alunos da Universidade, estão tentando desestabilizar o governo por puro rancor eleitoral em nível estadual. Ridículo!

Se justiça há a partir da conformidade dos fatos com o direito, violência existe, sim, por parte de um terrorismo de Estado, travestido de respeito ao cidadão, encarnado atualmente pela política do ensino superior do Estado de São Paulo. Mais do que isso, o desejo do governo não é transparência, é, sim, ter poder decisório sobre os 9,57% da arrecadação de ICMS que em 2006 significou em valores absolutos 5,2 bilhões de reais. O mínimo esperado do governo e da reitoria diante da crise universitária por eles criada é respeito real e concreto àqueles que trabalham e estudam nas Universidades Estaduais. Assim, ouvir a comunidade acadêmica, discutir realmente com ela, recebê-la de fato e, vez por outra, atendê-la em suas reivindicações, longe de demonstrar fraqueza – há que se pensar nisto, haja vista a possibilidade da retirada dos manifestantes pela força policial – são características dos verdadeiros homens de Estado e de efetivos administradores de universidades públicas. É uma pena, entretanto, que atualmente não encontremos nem estadistas no palácio dos Bandeirantes, tampouco bons administradores à frente da maior Universidade do país. Quanto a certos jornalistas, bem, diante deles me calo, afinal para que servem se apenas sabem servir ao poder constituído...

[1] Todos os dados numéricos foram extraídos do Anuário Estatístico USP – 2006.